Dicionário do Pluralismo Religioso

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Angelica Tostes & Rita Grassi

“Não sou um homem de fé; sou um homem de ritos. (…) Só compreendo a devoção quando ela se manifesta em reza, festa, dança, batuque, comida e camaradagem. (…) Se a fé me falta, sobra o apreço pelos ritos do povo”. (Luiz Antonio Simas, 2013, em Pedrinhas Miudinhas. Ensaios Sobre Ruas, Aldeias e Terreiros)

No dia 06 de Julho de 2020, o Grupo de Pesquisa Espiritualidades contemporâneas, pluralidade religiosa e diálogo (Anptecre/Soter) se reuniu virtualmente para um aprofundamento nas temáticas trabalhadas no Dicionário do Pluralismo Religioso, livro (à venda por aqui) que registra conceitos e autores que sobressaíram nas sessões do nosso GT nos últimos congressos do campo dos estudos de religião e será publicado em 2020, contando com a organização de Claudio de Oliveira Ribeiro (UFJF), Gilbraz Aragão (UNICAP) e Roberlei Panasiewicz (PUC-MG). Além dos organizadores, estiveram presentes nesse encontro Cecília Simões, Rita Grassi, Angelica Tostes, Alonso Gonçalves, Patrícia Prado, Luca Pacheco, Francilaide Queiroz, Mailson Cabral e Maruilson Souza.

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Um encontro para além de um fortalecimento das ideias e conhecimento acadêmico, mas também “para celebrar nossa militância por mais diálogo e mais vida”, como diria o querido Gilbraz. O diálogo inter-religioso no Brasil é feito nas travessias e encruzilhadas, entre os afetos e sobrevivência do povo. Indo por essas ruas, Claudio abordou no encontro o tema que tem permeado as novas construções de um pensamento latino-americano do diálogo: o Princípio Pluralista. Já o Roberlei inicia sua travessia entre as pedras que constroem o Diálogo Inter-Religioso, e amplia o Mistério da espiritualidade. Gilbraz caminha entre as memórias do Carnaval da Alma (Campina Grande), dos encontros de Dalai Lama e Dom Hélder Câmara, ECO92 para pensar a Transreligiosidade.

Segundo Claudio Ribeiro partilhou nesse diálogo, podemos encontrar na palavra “princípio”, presente da expressão Princípio Pluralista, a inspiração de três outros usos da palavra: i) o princípio protestante de Paul Tillich, ii) o princípio esperança de Ernest Bloch e iii) o princípio misericórdia de Jon Sobrino. Devemos compreender o PP como um referencial de análise do fenômeno religioso, sendo um instrumento hermenêutico que possibilita entender as espiritualidades a partir das misturas, contradições e ambiguidades. Nesses entre-lugares e fronteiras que as potencialidades da vida religiosa surgem, para além de discursos oficiais e estáticos, nas margens há negociação, ruído de novos sons, outras bricolagens. Como diria Claudio, o PP visa ser uma ferramenta de análise a partir dessas águas borbulhantes, desse movimento sempre em mudança nas casas & ruas, nesses cotidianos latino-americanos tão intensos. Há um ditado de Lao Tsé que diz que é necessário deixar a água lamacenta parada para que ela fique limpa, esse processo da espera e da água límpida se conecta com o eixo hermenêutico do PP que abarca a alteridade e a ecumenicidade, que implica em uma visão profunda do Outro em sua própria subjetividade para além dos preceitos aprendidos pelo Eu. Para Claudio, isso significa que “ser pluralista é favorecer os processos democráticos”, visto que o ouvir, o redimensionar vozes para além das relações de poder, é estar comprometido com a multiplicidade da vida. E por fim, um outro item importante para o PP é a noção de polidoxia, que desafia o suposto pensamento único e conceitos como heresia&ortodoxia, que sido utilizado para excluir e oprimir aqueles e aquelas que pensam e vivem diferente da suposta ortodoxia.

No Diálogo Inter-Religioso, destaca Roberlei Panasiewicz, a relação “Eu-Tu e Eu-Isso”, tendo como referência Martin Buber, são “palavras-princípio”. A primeira, Eu-Tu, é uma relação humanizante, “possibilita abertura ao outro, sem interesses ou imposições”, já a segunda, Eu-Isso, é uma relação objetivante que “deriva de interesses, de necessidades, de serviços solicitados ao outro, estabelecendo-o como objeto”. O diálogo inter-religioso deve ser construído a partir de relações humanizantes, e que há um equilíbrio dialógico, minimizando as relações de poder, visto que, elas sempre existirão.   Roberlei traz a articulação, proposta por Raimon Panikkar, entre o Diálogo Dialógico e o Diálogo Dialético como ponto chave para que nenhum discurso se torne totalitário e que não perca o cerne da questão. Enquanto o diálogo dialógico aborda essa abertura à comunicação mútua, trocas significativas e um aprofundamento nesse Outro, o diálogo dialético pensa me maneira racional, argumentativa. Mas dialogar para que? Pensando nessas questões, Roberlei elencou os principais objetivos do DIR em duas perspectivas, a primeira íntima, que seriam as concepções que cada religião e espiritualidade têm da revelação e da manifestação do Mistério; a segunda externa, que transformar e produzir mais vida para a humanidade nos níveis pessoal, social e ecológico. Concluiu sua fala dizendo que os “desafios, possibilidades e resultados do diálogo inter-religioso se ampliam à medida que as pessoas e instituições religiosas se disponibilizam para participar na integralidade que todo diálogo dialógico exige”.

Gilbraz Aragão traz a noção de Transreligiosidade que viria para agregar o conceito de Princípio Pluralista. Logo de início já chama atenção para dois pontos: necessidade do diálogo e de garantir a identidade na diversidade. E como pensar o Transreligioso? Trans-gredir, Trans-cender. Pensar o transreligioso é ir pelo “entre e além” da normatividade. Gilbraz encontra o conceito nas calçadas do mundo de suas vivências, recordando os Encontros pela Paz em Assis, onde o Papa encontra com pessoas de outras espiritualidades; da ECO-92, onde ocorreu o encontro entre 25 religiões e líderes religiosos, como Dalai Lama e Dom Hélder Câmara; do Carnaval da Alma, em Campina Grande, onde ocorreram batizados inter-religiosos e o Dia da Consciência Negra, na UNICAP. Ainda sem palavras, reflete que “na aldeia global na qual vivemos, precisamos instrumentar os buscadores do diálogo das fronteiras”. Ressaltou a importância de se pensar os problemas sociais a partir de uma perspectiva cosmoteândrica, entre disciplinas e religiões, onde haja o consenso do divino que está entre e para além delas. “Há realidades que são, ao mesmo tempo, isso e aquilo. No fim das contas, os ritos existem para criar um silêncio, onde o divino nos toques. É preciso, portanto, incluir um terceiro para facilitar a relação, o Terceiro Incluído.” Ele concluiu sua fala dizendo que “há na espiritualidade moderna uma relação entre o mundo espiritual e o mundo material e que é preciso encontrar um outro que nos mova e nos transcenda, para além das doutrinas, num diálogo que inclua as questões éticas. A transreligiosidade está por acontecer e está acontecendo, precisamos torná-la mais consciente.”

Após as provocações desses três conceitos, Princípio Pluralista, Diálogo Inter-Religioso e Transreligiosidade, o diálogo entre os membros do GT foi aberto. A diversidade de pensamentos, experiências, pesquisas enriquece o grupo e amplia os desafios para pensar a temática a partir do nosso chão e concretude.  Aprender a pensar com outros olhares, não mais tão ocidentalizados, é um desafio, a decolonização é um processo contínuo de desconstruir um projeto de colonialidade que por vezes não nos damos conta. Pensar novas teorias, novos pressupostos teóricos e científicos, aprender a metodologia inter-religiosa do povo! Diálogo inter-religioso sempre existiu, seja aqui, seja na Índia. Com conflitos? Claro! Mas com muitas negociações também. Nos debruçarmos do conhecimento e ciência popular se faz uma tarefa importante para nossa área. As inquietações aparecem: E os fundamentalistas, onde se sentam na mesa do diálogo? Bem, a mesa é aberta a todos e a todas que tem os ouvidos abertos, a humildade do não-saber e o anseio por conhecer o Outro, valorizar e honrar a diferença!

Veja abaixo a gravação do nosso encontro e o Dicionário está à venda por aqui.

3 comentários Adicione o seu

  1. Geraldo disse:

    Excelente iniciativa, pretendo acompanhar sou anarquista e esse diálogo pode me ajudar muito

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